Bastava apenas o maravilhoso engenho que era o teu corpo sem dores
adultas nas costas ou a efervescência da ansiedade impedindo o sono,
obrigando-te a acender mais um cigarro. Bastavam os teus braços como
torpedos rasgando as ondas, nem o frio te preocupava, dedos amachucados
com papel manteiga e lábios da cor dos mortos - mas estavas vivo, tão
vivo como na primeira manhã de férias grandes. O tempo era mais longo e a
carne mais invencível - saltaste de telhado para telhado e de uma
prancha de dez metros sabendo apenas nadar como os cães. Não te sentes
velho, mas é adulto e tens coisas chatas para fazer, já ninguém corre
atrás de ti para ganhar um jogo de apanhada, a televisão deixou de ser
um assombro - os desenhos animados matinais, o filme com um carteiro a
possuir uma senhora em cima da mesa e o teu pai aflito, mudando de
canal. Tudo era tão líquido como as corridas subaquáticas. É essa
rapidez impune nas tardes compridas que te faz falta em dias assim,
quando precisas de mais um cigarro para aguentar o lixo do mundo, que se
acumula dentro de ti num lugar incerto, mas doloroso. Queres uma
bicicleta para escavacar os joelhos que se regeneram com mercurocromo e
crostas que arrancavas e metias na boca. Queres uma bicicleta arrojada,
fazendo curvas com o pedal a tocar no chão. Hoje queres estar no
princípio de tudo, lado a lado com os teus irmãos, os teus amigos, até
que alguém grita, "Partida, lagarta, fugida", e tu és todo velocidade,
libertação, um corpo - só um corpo - voando sobre o alcatrão para um
lugar que não tinha de ser lugar nenhum.
Escritor
sexta-feira, 25 de janeiro de 2013
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