Comecei
a amar-te no dia em que te abandonei.
Foram as palavras dele quando, dez anos depois, a encontrou por mero
acaso no café. Ela sorriu, disse-lhe “olá, amo-te” mas os lábios só
disseram “olá, está tudo bem?”.
Ficaram horas a conversar, até que ele,
nestas coisas era sempre ele a perder a vergonha por mais vergonha que
tivesse naquilo que tinha feito (como é que fui deixar-te? como fui tão
imbecil ao ponto de não perceber que estava em ti tudo o que queria?),
lhe disse com toda a naturalidade do mundo que queria levá-la para a
cama. Ela primeiro pensou em esbofeteá-lo e depois amá-lo a tarde toda e
a noite toda, de seguida pensou em fugir dali e depois amá-lo a tarde
toda e a noite toda, e finalmente resolveu não dizer nada e, lentamente,
a esconder as lágrimas por dentro dos olhos, abandonou-o da mesma
maneira que ele a abandonara uma década antes.
Não era uma vingança nem
sequer um castigo – apenas percebeu que estava tão perdida dentro do que
sentia que tinha de ir para longe dali para ir para dentro de si.
Pensou que provavelmente foi isso o que lhe aconteceu naquele dia
longínquo em que a deixara, sozinha e esparramada de dor, no chão, para
nunca mais voltar.
De tudo o que amo és tu o que mais me apaixona.
Foram as palavras dela, poucos minutos depois, quando ele, teimoso, a
seguiu até ao fundo da rua em hora de ponta. Estavam frente a frente,
toda a gente a passar sem perceber que ali se decidia o futuro do mundo.
Ele disse: “casei-me com outra para te poder amar em paz”. Ela disse:
“casei-me com outro para que houvesse um ruído que te calasse em mim”.
Na verdade nem um nem outro disseram nada disso porque nem um nem outro
eram poetas. Mas o que as palavras de um (“amo-te como um louco”) e as
palavras de outro (“amo-te como uma louca”) disseram foi isso mesmo. A
rua parou, então, diante do abraço deles.
Pedro Chagas Freitas
in "Prometo Falhar"
segunda-feira, 23 de junho de 2014
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