sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Partida, largada, fugida.

Bastava apenas o maravilhoso engenho que era o teu corpo sem dores adultas nas costas ou a efervescência da ansiedade impedindo o sono, obrigando-te a acender mais um cigarro. Bastavam os teus braços como torpedos rasgando as ondas, nem o frio te preocupava, dedos amachucados com papel manteiga e lábios da cor dos mortos - mas estavas vivo, tão vivo como na primeira manhã de férias grandes. O tempo era mais longo e a carne mais invencível - saltaste de telhado para telhado e de uma prancha de dez metros sabendo apenas nadar como os cães. Não te sentes velho, mas é adulto e tens coisas chatas para fazer, já ninguém corre atrás de ti para ganhar um jogo de apanhada, a televisão deixou de ser um assombro - os desenhos animados matinais, o filme com um carteiro a possuir uma senhora em cima da mesa e o teu pai aflito, mudando de canal. Tudo era tão líquido como as corridas subaquáticas. É essa rapidez impune nas tardes compridas que te faz falta em dias assim, quando precisas de mais um cigarro para aguentar o lixo do mundo, que se acumula dentro de ti num lugar incerto, mas doloroso. Queres uma bicicleta para escavacar os joelhos que se regeneram com mercurocromo e crostas que arrancavas e metias na boca. Queres uma bicicleta arrojada, fazendo curvas com o pedal a tocar no chão. Hoje queres estar no princípio de tudo, lado a lado com os teus irmãos, os teus amigos, até que alguém grita, "Partida, lagarta, fugida", e tu és todo velocidade, libertação, um corpo - só um corpo - voando sobre o alcatrão para um lugar que não tinha de ser lugar nenhum.



 Escritor

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