As palavras caem como bombas no interior de duas pessoas que
se amam.
Gostava de evitar as mais duras, as que acontecem antes do
arrependimento. Quantas felicidades se perderam por arrependimento tardio?
Basta um ou dois segundos de atraso e o edifício derriba - um castelo de cartas
doentio, obsessivo, sufocante. É impossível respirar por dentro do que podia
ser e não é porque houve palavras que foram longe demais: o problema das
palavras é não terem coleira. Ninguém sabe onde acaba uma palavra: é um vírus que
se propaga, sabe-se lá até onde.
Ninguém segura uma palavra em liberdade.
Tudo para te dizer que ontem falaste demais. Disseste em
poucos segundos as palavras que não posso suportar: não sou feliz. Posso
aguentar tudo menos a tua infelicidade. Provavelmente o amor não devia ser
assim, provavelmente haverá uma outra forma de amor, na qual quem ama só quer,
a todo o custo, doa o que doer, quem ama ao seu lado. Mas eu não amo assim. Só
te quero se for eu, no mínimo, a causa maior para a tua felicidade. Basta
duvidar que é assim para desistir. Sou um fraco, eu sei. Ou então sou forte em
excesso - porque só com uma força inacreditável fui capaz, agora mesmo, de
deixar o bilhete pousado em cima da cama. E aqui estou: a rua mostra-me que
sou, por mais tectos que tenha, um sem-abrigo de ti.
Mas antes sem ti que sem a tua felicidade.
Vou deixar-te - mesmo que, por mais que não o entendas,
sejas tu a deixar-me. Há-de doer. Há-de doer tanto, meu Deus. Há-de haver
noites intermináveis numa cama qualquer - é sempre uma cama qualquer quando não
é uma cama em que esteja eu e o teu corpo no meu. Há-de haver recordações
intermináveis, a incapacidade de passar por alguns lugares, de ouvir algumas
músicas, de ver alguns filmes. Há-de haver, até, a necessidade de chorar para sangrar
melhor.
Viver melhor é muitas vezes a capacidade de sangrar melhor.
Há-de haver mais passados do que futuros. Hei-de querer
sempre ceder, procurar-te de novo, querer convencer-me de que ainda posso
reverter a situação a meu favor - e que a meu favor também poderia ser a teu
favor. Mas depois chegará a lembrança das palavras, as tais três palavras (não
sou feliz, não sou feliz, não sou feliz) como um refrão inesgotável, e voltarei
à cama vazia, à vida sem tecto de te saber melhor sem mim.
Isto pode parecer uma carta de despedida. Mas é só uma carta
de amor: a mais apaixonada das cartas de amor que te escrevi.
Quando fores feliz promete-me que te lembras de mim
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