segunda-feira, 4 de abril de 2011

Encontrar.

«Um dia hei-de encontrar…» Assim começam quase todos os sonhos de amor e esperanças de amizade. Quem assim sonha, já está meio derrotado, já está meio desiludido porque, em vez de esperar pelo encontro que deseja, já está a procurar. Imaginando parcialmente a pessoa que se quer encontrar, como se ela já existisse, com as medidas que o coração encomendou, está a fechar-se em si mesmo. E assim se fecha também ao mundo.
O encontro de duas pessoas só se torna um encontro de almas se ambas estiverem abertas uma para a outra. Mesmo o maior amor não impede as almas contrárias de se magoarem. É por isso que se têm de conhecer profundamente; para se aceitarem como são, sem exigirem uma à outra o que não têm, nem são, nem querem vir a ser. Duas almas só se dão em amor quando uma e outra aceitam tudo o que a outra lhes dá. Incluindo o que não querem.
Mas é maior a dor que vem do desconhecimento do que aquela que sabe por que sofre. Todas as almas são muito imperfeitas. É mais bonito conhecer-lhe imperfeições do que embrulhá-las em ilusão.
O amor é um processo contínuo de conhecimento e aceitação. Não é um arrebatamento. Não é uma loucura. É um acto de inteligência, de curiosidade e de carinho sem fim. Não pode amar, nem ser devidamente amado, quem não suportar a verdade ou for incapaz de resignação.
O amor é um perpétuo encontro, em que cada encontro quer ser o último; (…) É preciso ter-se amor à alma inteira. É preciso ter-se amor à verdade. Isto só se alcança com o sofrimento, que é a prova de amor mais certa que há.
Encontrar é, ao mesmo tempo, juntar e opor, abraçar e empurrar. As contrariedades são essenciais - à curiosidade, à atracção, ao desejo (por espúrio que seja) de superá-las. É através delas, as diferenças, que se estabelece a distância entre um e outro, sem a qual não pode haver amor. Quem ama alguém ama por quem é. Eu amo alguém que me está sempre a lembrar quem ela é - e não a mim.
O amor não é um fim nem um meio - é uma condição. É por isso que o verbo amar é o que mais se parece com encontrar.


Miguel Esteves Cardoso

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